Dos campinhos do Pará ao desejo de ser a maior comentarista de futebol do mundo, a escritora Monique Malcher fala da Copa
Publicado em 28/12/2022
Atualizado às 20:14 de 24/04/2023
urante a Copa do Mundo do Catar 2022, o Itaú Cultural publica A Copa é nossa, uma série de textos em que artistas compartilham suas relações e memórias com o futebol e o torneio.
A dança também faz parte dos meus músculos, ouviu? Conduzir bola feita de meias ou do material mais rígido possível com assinatura falsificada de jogador, quase imaculada. Comemorar de deixar pé ainda mais sujo na tabatinga. Sorrisos no campinho improvisado. Traves de chinelos arrumados com pregos. Desvirar chinelos pra evitar a morte da mãe. Arriscar a tragédia por um gol, um golzinho só. Beijar escudo de camiseta amarelinha novinha número 10. Ter todas as explicações possíveis sobre a copa do mundo. Jogar fifa na casa da criança rica até os adultos dizerem chega, vão pra casa! Partida no quintal dos tios papudinhos de cerveja nas festas de final de ano. Ei, meu menino, meu campeão! Assim foi a dança do futebol na infância dos meus primos, que eu dancei só na cabeça.
Era eu que, agarrada ao urso de pelúcia, chamava de meu jogador. A que levava a garrafa PET cheia de água gelada com iceberg dentro pra eles, era a que queria brincar. Era a que passava gelol nos outros. A que amava ler as edições da Placar em segredo.
Eu ia ser a primeira garotinha no interior do Pará a ser a maior comentarista de futebol do mundo. Do mundo dos homens que proibiam a gente de ser.
Teu pé
gordo
torto
menina
só atrapalha
não entende
nada
de futebol
Entendo da palavra
da poesia
e tem vogal, consoante
no pé
de toda gente
com bicho na poeira
no barro
da costela que era nossa
e por pena eu te dei
sempre contam errado
a história
No natal as mulheres da minha família brincavam de dar um chute na bola, em seguida faziam piada sobre si mesmas. Desde quando a gente começou a se ridicularizar como escudo pra não destruírem nossos sonhos? Na década de 1930, mulher jogar futebol era espetáculo de circo, lembra? Alívio cômico. A gente é atrasada ou foram eles que nos atrasaram?
Sabe o que é? Nunca estive, não estou e nunca estarei aliviada.