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Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea

A poética da autora fala de uma diáspora e reformula temas que caracterizam a produção artística de autoria indígena de um ponto de vista singular

Publicado em 28/12/2022

Atualizado às 14:42 de 11/08/2023

A série Encontros com a nova literatura brasileira contemporânea apresenta o trabalho de escritores da cena literária recente, com uma seleção atenta à produção de todas as regiões do país. Neste ciclo, a curadoria e a apresentação são da pesquisadora Fabiana Carneiro da Silva.

“As palavras ancestrais acordam a gente”, bem me disse a escritora Ellen Lima, indígena do povo Wassu-Cocal que cruzou mares e hoje reside em Portugal. Essa sentença achou bom abrigo em meu corpo-casa-aldeia e conferiu forças ao caminho de retomada ancestral que há algumas décadas lentamente tenho realizado. Penso em uma imagem poeticamente teorizada por Dionne Brand em Um mapa para a porta do não retorno: notas sobre pertencimento (2022), essa de um caminho sem volta, para se referir a aspectos da jornada do povo negro em diáspora e me pergunto que imagem resguardaria a mesma potência para elaborar as experiências do povo indígena no Brasil. A poética de Ellen Lima Wassu também fala de uma diáspora e (re)formula alguns dos tópicos que caracterizam a produção artística de autoria indígena a partir de um ponto de vista singular. A vivência da autora no território do (ex-?)colonizador faz premente o confronto com símbolos e discursos enraizados no século XVI ainda atuantes na dinâmica de interação global norte-sul e, sobretudo, atravessadores de sua subjetividade.

Os poemas de seu primeiro livro, Ixé Ygará voltando para ‘ y’kûá (sou canoa voltando para enseada do rio), publicados pela Editora Urutau em 2021, reclamam um nome, um lugar, uma língua. O conflito ontológico que caracteriza a vida dos sujeitos subalternizados na colonialidade movimenta a escrita que ganha expressão pela fusão do tupi antigo com o português. Apreendemos, assim, um desejo pela inversão da ampulheta do tempo e ouvimos o sino da “Catedral de Braga” como um ruído perturbador que “chateia eternidades”. Os poemas ensaiam essa inversão e evidenciam como a sobrevivência de outras epistemes na contemporaneidade se dá circunscrita à violência. A poesia de Ellen Lima Wassu performa um jogo de forças em que pertencer sem fraturas e ter as gentes-natureza em preservação e respeito são ecos inscritos nas palavras ancestrais; estas, por sua vez, emergem do enclausuramento exercido pelos livros-azulejos da dicção ocidental da literatura brasileira. E ressoam. E nos acordam. 

Os poemas “Outro erro de português” e “Aula de tupi” integram o livro Ixé Ygará voltando para ‘ y’kûá (sou canoa voltando para enseada do rio). Os demais poemas aqui publicados são inéditos e devem compor o próximo livro da autora.

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Peró chegou e mandou que
parasse o
nhen, nhen, nhen.
A-nhe’eng abé
Oro-nhe’eng também,
nhen, nhen, nhen,
nhen, nhen, nhen,
nhen, nhen, nhen.
De castigo, cortaram nossa
língua
no tempo e no espaço.
Suspenderam os cafunés e
abraços
da voz dessa mãe daqui.
Mas um dia,
ainda cortamos a tua língua
e oro-karu com abati

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